Estrangeira até quando?

Neste mês que completo 1 ano de Suíça, me sinto em fase de transição. Mais uma fase se vai, e alguma outra que eu ainda não sei qual deve estar começando. Tenho sentimentos contraditórios dentro de mim hoje. Como sempre, no início sou resistente às mudanças, sofro, questiono, procuro motivos, choro até perder os sentidos, mas no final, sempre termino enxugando minhas lágrimas, levantando da minha cama de manhã para mais um dia mesmo não tendo dormido nada à noite, tirando coragem não sei de onde, arrumando coisa pra ocupar o tempo, a cabeça, me metendo contente em qualquer convite que me pareça divertido, sorrindo pras pessoas que me cercam e feliz por sentir que no fim sempre dou a volta por cima e ver que tudo valeu a pena. Eu sou uma pessoa que está sempre sorrindo, sou descontraída, espontânea, procuro SEMPRE ver o lado positivo das coisas, mas tenho personalidade forte e tenho meus momentos.

Já me perguntei várias vezes se estar aqui era o certo, talvez porque eu sempre vá ter essa sensação, já que nunca morei muito tempo em nenhum lugar e não tenho raízes e lembranças de uma casa só na minha infância, uma cidade só na minha adolescência. Tenho um monte de lembranças e passei por muitas cidades, casas e escolas no Brasil. Sou mestre em arrumar e desarrumar caixa. Não quer dizer que eu ame. Resolvi saber o que tinha fora do Brasil, rodei vários países, morei nos EUA, na Alemanha, agora estou na Suíça por 1 ano. E tem tanta coisa ainda que eu quero ver... É, talvez eu nunca saiba mesmo como aquietar essa pergunta que não pára nunca no meu ouvido. Essa é a constante na minha vida desde que fiz 16 anos e tinha acabado de perder meu pai. Ahh, você não sabe de nada, a minha vida teve que mudar da noite pro dia, tive que mudar da água pro vinho, deixar de ser a caçula mimada e ser firme e forte pro que estava por vir. Ali sim foi barra. Ali sim eu não tinha a menor idéia do que eu tava fazendo aqui, na vida. Sem querer dramatizar o cenário já dramatizando, meu drama já foi de proporções maiores. Hoje eu posso me perguntar o que eu tô fazendo aqui, mas não tem ninguém morrendo. Eu sou saudável, tenho 2 pernas, 2 braços, tenho minha casa, meu emprego, meus amigos, minha família, é a minha vida. E os dramas eu vou lidando do jeito que dá, tentando ser feliz claro. É claro que as preocupações que rondam a cabeça de uma adolescente de 15 anos que perde o pai num acidente da noite pro dia são diferentes de uma mulher adulta de 27 anos viajada, estudada, morando na Suíça. Mas enfim. Cada um sabe onde aperta seu calo na situação que vive.

Hoje, com 1 ano de Suíça, olho pra trás e lembro como eu tava empolgada com a mudança, pronta pra tudo, vim saltitando de felicidade. Foi um ano maravilhoso. Nada fácil tenho que dizer, passei muitos perrengues, tive que me virar sozinha em tantas situações, mas não me arrependo de nada, teve muita coisa boa também. No começo era tudo novidade e eu tava feliz só em ir ali na esquina e ver os prédios da minha rua, ou em pegar o tram, e quando eu recebi meu primeiro salário em franco suíço? Nossa, me senti tão realizada. Fiz amizades, fui a shows, conheci lugares incríveis, comecei um namoro com um suíço, viajei, revi amigos do passado em solo europeu, senti muito frio, chorei de saudade, chorei de alegria... Eu gosto assim, de viver intensamente. Mesmo tendo dias normais de quarta-feira, de sair do trabalho, vir pra casa, deitar no sofá e ler 30 páginas do livro que tô lendo e pegar no sono ouvindo Vivaldi de fundo.

Mas o tempo passa, a novidade vira rotina, os prédios da sua rua já não são assim tão interessantes, as lentes com as quais você vê as coisas mudam e você muda de opinião, muda a forma de pensar, muda o que pensa sobre aquele cara que trabalha com você. E não é só porque tô na Suíça, tudo muda o tempo todo em qualquer lugar. E aí passa aquela fase e começa outra fase. Que deve ser a que devo estar começando agora.

De volta à solteirice, águas passadas, antigas e novas amizades, novos interesses, novos objetivos. Mesmos questionamentos. Desenvolvimento das minhas indagações.

Da última vez que fui ao Brasil rapidamente em maio, me senti diferente. Não me senti em casa e queria voltar pro meu apartamento na Suíça e pro meu trabalho. Aqui na Suíça, por outro lado, me sinto estrangeira. Tenho que me comunicar em outros idiomas, sou diferente das pessoas na rua, me visto diferente e meus olhos castanhos e meu cabelo ondulado entregam minha áurea não européia a quem me ver passar. Isso não vai mudar. Nem que eu fale o dialeto, estique e pinte meu cabelo de loiro. Nem sempre é ruim, nem sempre é bom. Ah isso é o de menos. Foi minha escolha, não estou reclamando.

Vejo o mundo ao meu alcance ali tão fácil e questiono ainda mais a razão das coisas e ainda o eterno "o que danado eu tô fazendo aqui". Já dizia Milton Nascimento em "Janela para o mundo": "Viajar, no fundo, é ver que é igual o drama que mora em cada um de nós, descobrir no longe o que já estava em nossas mãos. Olhar o mundo é conhecer tudo o que eu já teria de saber. Estrangeiro eu não vou ser. Cidadão do mundo eu sou".

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