Gostinho bom

Ontem começou a trabalhar um brasileiro no meu departamento. Conversando com ele, me dei conta que ele sou eu ontem, deslumbrado e muito entusiasmado com tudo. Tanta coisa que aconteceu nesse ano e hoje já é tão normal pra mim. Coisas que nem me lembrava mais, como por exemplo ele chegou ontem a tarde muito empolgado com a rapidez e a facilidade com que tinha aberto uma conta no banco. Quando o apresentei à minha amiga portuguesa, percebi que ele não entendia quase nada que ela dizia, e me lembrei de quando cheguei que toda hora dizia "hã?" e ela tinha que repetir. Aliás, hoje já me acostumei mais com o jeito que ela fala, mas ela ainda tem que repetir muitas vezes. Depois me disse que tava deslumbrado com a cidade, com o rio tão reluzente que corta a cidade, com as pontes tão belas, com a limpeza do chão da rua, com a pontualidade dos trams, a organização e a simplicidade das coisas, com a diversidade das pessoas na rua, com o charme da arquitetura da cidade, enfim. Ele falando que andava na rua e ouvia o dialeto e não fazia a menor idéia sobre o que as pessoas estavam falando, me lembrei de mim quando cheguei, que ficava olhando, tentando ler os lábios das pessoas também e não conseguia decifrar nada. Hoje já faço idéia.

Aí fomos conversar sobre o trabalho, e fui enumerar as particularidades de se trabalhar aqui, e me lembrei como fiquei contente como ele da primeira vez que me disseram que aqui a gente não paga imposto, tem desconto em taxas, nosso job tem status de diplomata, faz parte de um plano de previdência único nessa vida, tem 7 semanas de férias por ano, enfim, fazemos parte de uma minoria que saiu do Brasil pra ter um emprego invejável aqui fora enquanto tanta gente passa necessidade em busca de algo melhor pra si, e eu que reclamo tanto dele.. Não sei aonde mais poderia estar pra ter tantas vantagens de aprender e ter a chance de praticar 2, 3 idiomas ao mesmo tempo, conhecer gente, culinária e cultura do mundo todo, viajar quatro horinhas e poder ir passar o fim de semana em outro país, ter acesso a museus, artes, concertos, música e variedades que me interessam tanto, fazer parte do dia a dia da vida de um país minúsculo mas que tem 3 dentro das 10 cidades com melhor qualidade de vida no mundo, e eu moro em uma delas.

Como progredi nesse um ano, como me inseri, como mudei. Mesmo ainda me sentindo uma estrangeira, e sabendo que isso não vai mudar da noite pro dia, nem de um ano pro outro, é possível enxergar pequenos progressos e poder vibrar com as pequenas conquistas.

Eu podia não ter conseguido me acostumar, podia ter chorado, esperniado nos dias mais frios do inverno e ter jogado tudo pro alto. Eu podia ter perdido a paciência e ter posto tudo a perder com algumas pessoas do trabalho que me tiram do sério. Podia ter aceitado outras propostas e desistido nos dias mais solitários. Tanta coisa podia ter acontecido, mas não. O bom é passar pelas dificuldades. É poder olhar pra trás e ver no próximo as experiências que você viveu e sobreviveu com sucesso. É poder dar o seu depoimento e poder ajudá-lo, explicar como funciona a máquina de comprar bilhetes que está toda em alemão, poder ver o agradecimento nos olhos dele e poder ver que você já passou desta fase.

Sei que ainda tem muita coisa por vir e gosto de acreditar que o melhor sempre está por vir, mas hoje eu só queria compartilhar um pouquinho desse gostinho bom que estou sentindo. Tenho momentos e dias muito difíceis por aqui. Mas a cada dia aprendo alguma coisa e a verdade é cada vez eu percebo mais que não sei é de nada e tudo pode mudar assim, num clique, e temos que estar preparados, sem nos deixar influenciar muito pelas turbulências, porque não é isso que fica. O que fica é o que você tira de melhor. Então vamos sorrir e aproveitar o que dá, não é mesmo?

Em uma semana faço aniversário, estou produzindo algo no trabalho muito bom, esse mês tenho aumento no meu salário, minha família chega em 5 dias e próxima semana estaremos de férias pela França. Que mais eu preciso pra ser feliz, meu Deus??

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